domingo, 9 de janeiro de 2011

Há um significado neste Texto? - (Interpretação Bíbliva: Os Enfoques Contemporâneos) Kevin Vanhoozer

Resumo do Livro

Há um significado na Bíblia?
Será que esse significado envolve o leitor ou a maneira de ler? A doutrina cristã tem alguma contribuição a dar aos debates acerca da interpretação, da teoria literária e da pós-modernidade? Essas perguntas são fundamentais para os estudos bíblicos contemporâneos e para a teologia.

Em resposta a elas, Kevin Vanhoozer argumenta que a crise pós-moderna na hermenêutica – "a incredulidade para com o sentido", um ceticismo arraigado que se relaciona à possibilidade de uma interpretação correta – é basicamente uma crise na teologia. Segundo o escritor, ela é provocada por uma perspectiva inadequada a respeito do Criador e pela chamada "morte" de Deus.

A Parte 1 desta obra examina os modos pelos quais a desconstrução e a crítica radical da resposta do leitor “desfazem” os conceitos tradicionais de autor, texto e leitura. Na Parte 2, Vanhoozer defende o conceito do autor e a possibilidade do conhecimento literário, valendo-se dos recursos da doutrina cristã e abordando o significado em termos de ação comunicativa. Uma contribuição importantíssima para a correta compreensão dos textos sagrados! VANHOOZER, Kevin J. Há um significado neste texto? Interpretação bíblica: os enfoques contemporâneos. São Paulo: Vida, 2005. 663 p.)
 
Sobre o Autor:
Quem é Vanhoozer? O autor é professor de teologia sistemática na Trinity Evangelical Divinity School, nos Estados Unidos, desde 1998, tendo também ensinado nessa instituição de 1986 a 1990. Obteve seu mestrado no Seminário Teológico Westminster e seu Ph.D. na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Sua dissertação de doutorado nasceu de várias entrevistas que fez com o filósofo Paul Ricoeur, particularmente sobre a maneira como, em sua análise filosófica, a narrativa bíblica foi formulada. Ricoeur diria posteriormente numa entrevista que Vanhoozer entendeu sua filosofia melhor do que ele mesmo a entendia. 

Além de conferencista sênior na Universidade de Edimburgo, na Escócia, ele foi membro da comissão de doutrina da Igreja da Escócia, onde teve a oportunidade de aplicar e testar vários aspectos daquilo que veio a se tornar o livro Há um significado neste texto?

O que é esse livro? Em termos gerais, trata-se de um projeto que advoga uma hermenêutica que opere simultaneamente com os elementos autor-textoleitor (equivalentes aos três componentes da fala: locução-ilocução-perlocução). Na primeira etapa (as primeiras 200 páginas) o autor assume uma postura descritiva, permitindo que o leitor conheça as principais tentativas de formular uma hermenêutica que isola um elemento deste paradigma em detrimento dos demais.

Como exemplo da tentativa de “desfazer o autor”, Vanhoozer cita especialmente Jacques Derrida, Ferdinand de Saussure e até mesmo J. Severino Croatto! O que fica claro logo de início é que o autor dispensa caricaturas tradicionalmente feitas de teólogos e filósofos e baseia sua análise em fontes primárias. Para o contexto latino-americano, a inclusão de Croatto na análise é extremamente apropriada, já que sua hermenêutica permeou por décadas a teologia brasileira sem qualquer avaliação ou contestação.

Neste sentido, fiquei surpreso ao ler nas recomendações encontradas nas orelhas do livro a celebração de teólogos brasileiros pela chegada de um material de hermenêutica de indubitável qualidade. Segundo a leitura de Vanhoozer, Croatto acredita que a Bíblia, se ligada aos autores originais, torna-se um depósito fechado de significado, um relicário de épocas e pessoas distantes. Os autores [...] morrem no próprio ato de codificar a sua mensagem (p. 111-112).

Para Vanhoozer, esta postura em relação ao autor ilustra perfeitamente o aforismo de Dostoievski: Se não existe autor, tudo é permitido (p. 112). Em resposta a tal aforismo Vanhoozer pergunta: Todavia, seria essa declaração um motivo para dançar ou para se desesperar? Posso pensar em três razões para fazer ambas as coisas: dançar, sim, mas de uma maneira angustiada, consciente de que se está bailando à beira de um abismo.

Assim, vejo esta primeira parte do livro de Vanhoozer como uma voz de advertência aos teólogos que festejam a morte do autor à Croatto. Conforme diz o subtítulo original da obra (A Bíblia, o leitor e a moralidade do conhecimento literário), a decisão de distanciar o autor de seu texto é uma decisão moral. Para Vanhoozer esta decisão é simplesmente uma maneira de substituir aquele que fala no texto por aquele que lê.

Na segunda parte do livro (as próximas 300 páginas), Vanhoozer assume uma postura construtiva, propondo o que ele entende ser uma abordagem hermenêutica apropriada. Sua proposta é introduzida num contexto filosófico porque foram premissas filosóficas que acabaram informando a hermenêutica do tipo supramencionado. A terminologia utilizada é densa para os que não estão familiarizados
com teoria literária, mas acaba sendo de grande proveito no desenrolar do argumento. Nesta segunda parte do livro Vanhoozer “ressuscita” o autor que tinha sido morto, “redime” o texto que tinha sido desacreditado e “reforma” o leitor que havia perdido as virtudes peculiares a uma hermenêutica cristã. “Apresentarei uma alternativa construtiva à versão de Derrida de leitura responsável, uma alternativa que tira sua orientação básica da crença cristã de que Deus se comunica com os outros (“No princípio era o verbo...”) e que os humanos, criados à imagem de Deus, são igualmente agentes comunicativos” (p. 231).

Quais são as contribuições dessa obra? Definitivamente, o livro não visa instruir o membro de igreja na tarefa de interpretar a Bíblia. O propósito principal, como ele mesmo afirmou, é apresentar uma alternativa construtiva à versão hermenêutica que desfaz o autor, o texto e o leitor. Dentre as inúmeras contribuições oferecidas pelo autor, enumero aqui algumas que poderiam trazer grande auxílio para uma hermenêutica informada por princípios reformados:

1) a inclusão do conceito de ação comunicativa na leitura de textos bíblicos;
2) a redescoberta da distinção entre significado e significância, há muito popularizada por Hirsch em seu livro Validade na Interpretação; 3) a distinção entre leitura densa e tênue; 4) a distinção entre entender e sobreentender;
5) a distinção entre sentido literal, literário e literalista; 
6) a redefinição ou reafirmação do que é um texto, o que é significado, o que é intenção autorial,
o que é interpretação, etc. 

Enfim, todos estes conceitos, sejam eles novos ou redefinidos, prometem trazer grande contribuição para qualquer teólogo que tenha interesse em manter um canal de diálogo aberto com a próxima geração. Com respeito ao uso que o autor faz da Trindade em sua hermenêutica, é bastante encorajador para nós que cremos na inspiração das Escrituras ver a maneira como ele compara o
paradigma autor-texto-leitor com Deus Pai-Deus Filho-Deus Espírito. 

Deus é descrito como o autor/criador, Cristo como o verbo (a palavra/o texto) encarnado que comunica com exatidão a pessoa do Pai, e o Espírito Santo como aquele que atua de maneira crucial na interpretação e aplicação desta Palavra na vida do ser humano. Os que estão mais em sintonia com o a história do evangelicalismo perceberão na dedicatória do livro a Robert H. Gundry a
polêmica da qual o livro originalmente fez parte. 

Quais são as limitações do livro? D. A. Carson, que recomenda entusiasticamente a versão da obra em inglês como o tão esperado caminho de saída do “lamaçal hermenêutico contemporâneo”, identificou algumas limitações na obra da maneira como ela se encontra hoje. Segundo Carson, este tríplice paradigma parece encaixar muito bem em João 1.1-14, onde Cristo é descrito como a palavra de Deus encarnada. 

Fora do Evangelho de João, fica difícil manter essa estrutura com a mesma força. Com respeito à versão do livro em português, também é lamentável que o tom confessional de Vanhoozer tenha sido um pouco abafado em certos lugares nos quais se tinha em vista um paralelo com a linguagem das Escrituras. Um exemplo disto está na primeira frase do capítulo 5, na página 234: “O medo do autor está no começo do conhecimento literário”. 

Em inglês o autor, fazendo um jogo de palavras para lembrar o provérbio bíblico, escreveu: “O temor do autor é o princípio do conhecimento literário”. Mesmo assim, não posso deixar de parabenizar o excelente trabalho de tradução e publicação de uma obra tão pertinente à discussão hermenêutica latino-americana.

Ficha Técnica:
ISBN: 978-85-7367-917-5
Páginas: 664
Formato: 16x23cm
Categoria : Área bíblica/Hermenêutica contemporânea/Filosofia
Acabamento: Brochura
Autor: Kevin Vanhoozer
Editora: Vida

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